quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Entre dois Amores

O seu coração estava dividido entre dois amores. De um lado, um velho amor que se desfazia e do qual se despedia. Tinha estado ligado àquela mulher por anos de afeto manso e tranqüilo, amizade real e sincera. Coisa alguma poderia negar este fato. Durante este tempo, ele se sentira como alguém que caminha por uma planície colorida, sem montanhas e abismos, o ar claro e sem bruma, sabendo exatamente o que esperava. Seu amor havia alcançado aquela condição de certeza sem surpresas, livre dos sofrimentos do ciúme e das dúvidas que são o inferno dos apaixonados. E era isto que ele deixava para trás. E por isto sofria. Encontrara um a outra mulher cuja imagem. por razões que ele não podia compreender, despertara das cavernas da sua memória uma outra cena cheia de mistérios, de perfumes exóticos, de penumbras eróticas, onde crescia o fruto dourado da vida. E ali, nesta nova cena que se refletia nos olhos daquela mulher, e se via como um homem diferente, de corpo jovem dotado de asas, pronto a voar pelo desconhecido, em nada semelhante ao ser doméstico ruminante que morava na cena do seu primeiro amor.
Apaixonara-se por ele. Apaixonara-se pela bela cena que via como aura mágica, em torno daquele rosto. Apaixonara-se pela sua própria imagem, refletida naquele olhar. Queria tê-la para poder ter-se deste modo intenso que nunca antes experimentara. Era preciso dizer adeus. Deixar para trás a antiga companheira fiel, e a cena pálida, descolorida e monótona que aparecia em sua aura cansada. Assim são os velhos amores: fiéis e cansados... Mas a idéia de magoá-la o horrorizava. Chegar para ela e simplesmente dizer: “Estou apaixonado por outra mulher. Vou-me embora...” – isto seria uma grosseria que ele nunca se perdoaria. Queria poupar-lhe a dor de ver-se deixada só, na plataforma da estação, enquanto ele partia. A dor de quem fica é sempre maior.
Parece-se com a dor após sepultura, quando se volta para casa, e o espaço se enche com a presença de uma ausência. Na verdade a dor da partida é maior que a dor da morte. Pois o morto se foi contra a vontade. Partiu me amando. Partiu triste por me deixar. Nenhuma alegria o espera. Por isto os pensamentos de quem ficou descansam tranqüilos, sem serem perturbados por fantasias dos novos amores e prazeres à espera do que morreu. Pois nada o aguarda. A morte pode ser a eternalização do amor. A morte fixa a bela cena, enquanto a partida destrói a bela cena. O apaixonado sofreria menos com a morte da pessoa amada que com a sua partida para um novo amor. Quem quiser entender as razões dos crimes de amor terá de levar isto em consideração. Quem mata por amor é como um fotografo que deseja eternizar a imagem amada na bela cena. Não era isto que Cassiano Ricardo sugeria no seu poema: Você e o seu retrato’? Ele pergunta: Por que tenho saudade de você, no retrato, ainda que o mais recente? E por que um simples retrato, mais que você, me comove, se você mesma está presente? E depois de sugerir várias respostas ela faz a seguinte afirmação: Talvez porque, no retrato, você esta imóvel, sem respiração... Você, viva, ingrata, é a permanente possibilidade da surpresa, do gesto que irá destruir a beleza. Mas, no retrato, você fica imóvel. Transforma-se em quadro. Quem mata por amor é um fotógrafo (cruel) que imobiliza a bela cena. E assim a coloca na parede, como objeto de saudade e devoção, para sempre. Bem dizia Roland Barthes que a única coisa que se encontra fixada na fotografia, qualquer fotografia, é a morte.
Sim, o que fazer? Como partir sem fazer sofrer demais uma pessoa boa, por quem se tinha um afeto sincero?
Por vezes uma mentira é o melhor caminho. Há verdades cruéis e mentiras bondosas. Na encruzilhada ética entre a verdade e a bondade, que a bondade triunfe. Imaginou então uma mentira. Iria dizer que estava em dúvidas sobre se ela realmente o amava. Que por vezes ele a observava com o olhar perdido, e que imaginava seus pensamentos distantes, andando por outros amores. Que, inclusive, durante o sono, ela dissera repetidas vezes o nome de um homem (Pobrezinha! Não teria formas de contestá-lo. Pois estava dormindo...) Assim, ele queria que os dois se dessem um tempo. Que ficassem longe, provisoriamente, a fim de que os sentimentos pudessem ficar mais claros. A distância é um excelente remédio para as confusões do amor. E assim ele o fez. Ela ouviu suas alegações tranquilamente, sem sobressaltos aparentes. Terminada a sua fala, quando ele se preparava para ouvir as contra-argumentações que deveriam se seguir, o que ele ouviu dói outra coisa: - Sabe? Cada vez mais me surpreende a sua sensibilidade. Como foi que você percebeu? Fiz tudo para esconder meus sentimentos de você! Eu não queria magoá-lo! Mas agora que você já sabe, é bom assumir a nossa verdade. De fato, há outro. Chegou a hora de dizer adeus...
O que aconteceu naquele instante ele nunca pôde compreender. Pois aquelas palavras eram tudo de que precisava. Estava livre para se entregar sem culpas a sua nova paixão. Mas a única coisa que ele sentiu foi a dor imensa de uma paixão que repentinamente explodia por aquela mulher que lhe dizia adeus... E ele se viu solitário e triste, na plataforma vazia da estação, enquanto ela partia... Só lhe restava voltar para a casa vazia, onde ninguém o esperava... Como eu já disse: não é a pessoa que amamos; é a cena.

Rubem Alvez

domingo, 16 de janeiro de 2011

O segredo da felicidade

Há muito tempo, em uma terra muito distante, havia um jovem rapaz, filho de um rico mercador, que buscava obstinadamente o segredo da felicidade. Já havia viajado por muitos reinos, falado com muitos sábios, sem, no entanto, desvendar tal questão.
Um dia, após longa viagem pelo deserto, chegou a um belo castelo no alto de uma montanha. Lá vivia um sábio, que o rapaz ansiava por conhecer. Ao entrar em uma sala, viu uma atividade intensa. De longe ele avistou o sábio, que conversava calmamente com todos que buscavam o segredo. O jovem precisou esperar duas horas até chegar sua vez de ser atendido. O sábio ouviu-o com atenção, mas lhe disse com serenidade que naquele momento não poderia explicar-lhe qual era o segredo da felicidade. Sugeriu que o rapaz desse um passeio pelo palácio e voltasse dali a duas horas. "Entretanto, quero pedir-lhe um favor". - completou o sábio, entregando-lhe uma colher de chá, na qual pingou duas gotas de óleo. "Enquanto estiver caminhando, carregue essa colher sem deixar o óleo derramar". O rapaz pôs-se a subir e descer as escadarias do palácio, mantendo sempre os olhos fixos na colher. Ao fim de duas horas, retornou à presença do sábio.
"E então?" - perguntou o sábio - você viu as tapeçarias da Pérsia que estão na sala de jantar? Viu o jardim que levou dez anos para ser cultivado? Reparou nos belos pergaminhos de minha biblioteca?"
O rapaz envergonhado, confessou não ter visto nada. Sua única preocupação havia sido não derramar as gotas de óleo que o sábio lhe havia confiado.
"Pois então volte e tente perceber as belezas que adornam minha casa". disse-lhe o sábio.
Já mais tranqüilo, o rapaz pegou a colher com as duas gotas de óleo e voltou a percorrer o palácio, dessa vez reparando em todas as obras de arte. Viu os jardins, as montanhas ao redor, a delicadeza das flores, atentando a todos os detalhes possíveis. De volta à presença do sábio, relatou pormenorizadamente tudo o que vira.
"E onde estão as duas gotas de óleo que lhe confiei?" - perguntou o sábio. Olhando para a colher, o rapaz percebeu que as havia derramado.
"`Pois este, meu rapaz, é o único conselho que tenho para lhe dar:" - disse o sábio - "o segredo da felicidade está em admirar as maravilhas do mundo, sem nunca esquecer das duas gotas de óleo na colher.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Morrer é rídiculo!

A morte, por si só é uam piada pronta. Você combinou de jantar com a(o) namorada(o), está em pleno tratamento dentário, tem planos pra semana que vem, precisa autenticar um documento em cartório, colocar gasolina no carro e no meio da tarde morre.
Como assim? e os e-mails que você ainda não abriu, o livro que ficou pela metade, o telefonema que você prometeu dar à tardinha para um cliente?
Não sei de onde tiraram está idéia: MORRER!!!
A troco?
Você passou mais de dez anos da sua vida dentro de um cólegio estudando fórmulas químicas que não serviriam para nada, mas se manteve lá, fez as provas, foi em frente. Praticou muita educação física, quase perdeu o fôlego, mas não desistiu. Passou madrugadas sem dormir para estudar pro vestibular mesmo sem ter certeza do que gostaria de fazer da vida, cheio de dúvidas quanto a profissão escolhida, mas era hora de decidir, então decidiu, e mais uma vez foi em frente...
De uma hora pra outra, tudo isso termina numa colisão na freeway, numa artéria entupida, num disparo feito por um delinquente que gostou do seu tênis.
Quel é?
Morrer é chiste.
Obriga você a sair no melhor da festa sem se depedir de nin guém, sem ter dançado com a(o) garota(o) mas linda(o), sem ter tido tempo de ouvir outra vez sua música preferida.
Você deixou em casa suas camisas penduradas nos cabides, sua toalha ímuda no varal, e penduradas também algumas contas.
Os outros vão ser obrigados a arruamr suas talhas,a mexer nas suas gavetas  a apagar as pistas que você deicou durante a vida inteira.
Logo você, que sempre dizia: das minhas coisas cuido eu.
que pegadinha macabra: você sai sem tomar café e talvez nem almoce, caminha por uma rua e talvez não chegue na próxima esquina, começa a falar e talvez não conclua o que pretende dizer.
Não faz exames médicos, fuma dois maços por dia,  bebe de tudo, curte costelas gordas e mulheres magras e morre num sábado de manhã!
Isso é pra ser levado à sério? Tendo mais de cem anos de idade, vá´lá, o sono eterno pode ser bem-vindo. Já não há mesmo muito a fazer, o corpo não acompanha a mente, a mente também já rateia, sem falar que há quase nada guardado nas gavetas.
Ok, hora de descansar em paz.
Mas antes de tudo?! Morrer cedo é uma trangressão, desfaz a ordem natural das coisas. Morrer é exagero.
E, como se sabe, o exagero é a matéria-prima das piadas. Só que esta não tem graça.
Por isso viva tudo que há pra viver.
Não se apegue as cosas pequenas e inúteus da vida... Perdoe... Sempre!
Adiar... Adiar... Adiar...
Será sempre o melhor dos caminhos?

Pedro Bial
Jornalista

domingo, 2 de janeiro de 2011

Minha Oração para 2011

Reouvir a voz que alimenta a alma.
Reprocessar as estações da vida pelos quais já passei e retirar delas o aprendizado necessário para continuar a jornada.
Fazer a viagem da retrospectiva.
Renovar minhas convicções.
Trocar as lentes.
Isso é tudo oq ue mais desejo para 2011.
Sem buscar previsões. Leituras mágicas não me interessam. Que "o meu pão de cada dia, dá-me hoje Senhor", seja minha oração, sabendo que dia após dia é que vou construindo meu caminho, através das decisões tomadas, das escolhas feitas, das estradas que decidi trilhar.
Ah, Senhor... fala aos meus ouvidos. Me ensina quais estradas percorrer. E que meus ouvidos estejam deliberadamente prontos a te ouvir. e que meu coração esteja sensivelmente inclinado a seguir Teus preciosos conselhos. Se assim o fosse todas às vezes, quantas dores eu teria evitado...
Bem sei que todos nós estamos sempre a um passo de qualquer coisa.
Nossas escolhas, na maioria das vezes, é que constroem as tragédias de nossas vidas e que também escrevem as belas cenas de nossa existência que não se apagam da memória.
Mas, por vezes, nem todos os esforços do mundo mudariam determinadas realidades.
Nem tudo o que aconteceu na vida depende de você. Você não tem esse poder todo. Portanto, nãos se culpe perante situações que eram de sua responsabilidade.
Do futuro não temos conhecimento. Não sabemos que nos trará 2011. Os dramas, as vitórias, as boas notícias, os ganhos, as perdas, as conquistas, as lutas, os gênesis...
Mas um só é mer anseio:
Não quero ser entorpedo pelo sucesso adquirido nesse mundo transitório e viver como um bruto insensível a dor alheia.
Também não quero ser acomodado pela mesquinha sensação de que não preciso ir além.
Quero trilhar o díficil caminho do equilíbrio.
Quero ouvir todas os dias a voz que fala em meio ao silêncio, à solidão, por meio de sussurros à alma.
Quero ser melhor a cada dia e que nunca chegue o dia em que me ache bom demais...

Dênis Alexandre
Jornalista, diretor da Revista Via Montesa